Aos 4 anos, o menino já trabalhava na roça. Por anos, parte da madrugada, para ele, virou dia. Toni e os irmãos ajudavam os pais na plantação e colheita de alimentos como amendoim e feijão. Muitas vezes o trabalho durava até o fim do dia.
A ajuda garantia a alimentação da família. A agricultura, na casa dele – e em todo o país - sempre foi de subsistência. A renda, quando surgia, não passava de 2 dólares por dia. “Dificilmente vendia. O que não dá para vender”, explicou.
Foi assim até os 10 anos, quando o menino resolveu estudar. A situação ficou ainda mais crítica. Para conseguir comprar materiais básicos da escola, os pais, que sempre o apoiaram, se viam obrigados a vender parte dos alimentos que colhiam em um dia inteiro de trabalho.
O reflexo era visto à mesa. Não foi uma única vez que a casa inteira foi para a cama sem a janta. Quanto havia refeição, o jeito era se contentar com pão ou mandioca com chá no café da manhã. O almoço geralmente era polenta, peixe ou folhas.
A dificuldade, no entanto, foi o “combustível” que “alimentou” os sonhos do menino. “Nasceu a vontade de estudar. Eu queria um dia ser diferente. Tive que batalhar para ter acesso à educação”.
E a batalha foi árdua. A sala de aula, do primeiro ao 5º ano, era debaixo de uma árvore. Nos anos seguintes, até o término do ensino fundamental, a turma foi para uma “escola” feito de pau a pique, mas não havia cadeiras. A lousa era um quadrado feito de cimento. O primeiro, segundo e terceiro ano foram diferentes. As salas já contavam, pelo menos, com carteiras.
O início de uma nova vida – Com o ensino médio completo, Toni passou a dar aulas de biologia para crianças em um orfanato. Em 2008, o encontro com uma médica brasileira, campo-grandense, que estava em viagem missionária naquele país, trouxe novas esperanças ao jovem que sempre quis “ser alguém na vida”, mas não via novas saídas.
Em pouco tempo, o moçambicano estava em Campo Grande. Foi acolhido pela família da missionária e ganhou uma bolsa de estudos para cursar teologia. Formou, mas não parou de estudar.
Em 2010, o rapaz era calouro do curso de enfermagem em uma universidade particular. Entrou pagando, conseguiu desconto de 50% e, depois, se tornou bolsista integral. Um ano depois, se tornou acadêmico do curso de pedagogia da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul).
Como o visto de estudante não permite que ele trabalhe, Toni resolveu focar nos estudos. Aos finais de semana e em qualquer tempo livre ele se debruça em cima dos livros.
Dar conta de dois cursos não é tarefa fácil, mas o jovem aprendeu que, na vida, as oportunidades devem ser agarradas. “Aqui as pessoas não aproveitam. É a configuração da população. Talvez pensem que todo tempo vão ter e que se não aproveitarem hoje vão aproveitar amanhã ou depois”, avaliou.
Patriota - No quarto ano de enfermagem e no terceiro de pedagogia, o universitário explica que escolheu duas áreas distintas pela importância que elas tem no país onde nasceu.
O acesso à educação, pontuou, continua a ser uma das principais dificuldades que os moçambicanos enfrentam. A saúde, por outro lado, nunca esteve “bem das pernas”.
“Quero atuar na área de pediatria. Moçambique é um dos países que sofre com a mortalidade infantil. O índice de desnutrição é muito alto. Também tem as doenças oportunistas como diarréia, malária e anemia, entre tantas outras”, disse.
Toni está em Campo Grande, gosta da cidade que o acolheu, mas não quer ficar aqui. “Eu nunca tive o desejo de morar fora. Se voltar formado vou poder ajudar minha família e aqueles que estiverem perto de mim. Estarei ajudando o país inteiro”, revela.
O moçambicano que um dia sonhou com um futuro melhor e que deixou o país onde nasceu para estudar no Brasil, é mais um entre muitos estrangeiros que colecionam histórias parecidas – únicas, no entanto -, mas é, sem dúvida, um exemplo de vida para quem vive reclamando e culpando os outros pelo próprio fracasso. Toni é, acima de tudo, um guerreiro.
Fonte: Campo Grande News
0 comentários: sobre Ele tinha todos os motivos para desistir, mas já caminha para o terceiro diploma
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